É noite de quinta-feira, véspera de feriado. Para muitos jovens esta é a ocasião perfeita para encontrar os amigos, paquerar, ir a festas, bares ou boates. Mas, distante do Centro de Curitiba, em um barracão às margens da Linha Verde, no bairro Pinheirinho, o som que se ouve é diferente. O ritmo da música é conduzido pela sanfona e o que sobressai é o barulho das botas batendo no piso de madeira. São aproximadamente 30 crianças e adolescentes ensaiando danças típicas gaúchas naquele que foi o primeiro reduto dessa cultura fora do Rio Grande do Sul. Prestes a completar 50 anos de existência, o Centro de Tradições Gaúchas (CTG) 20 de Setembro trabalha não apenas para preservar a herança deixada pelos nativos dos pampas, mas especialmente para transmiti-la às gerações mais novas.
A história do primeiro CTG criado fora de território sul-rio-grandense começou em 1962, quando um grupo de gaúchos residentes em Curitiba decidiu se organizar para exercitar algumas de suas tradições, como a música, a dança, a declamação de versos e o churrasco. Sempre com a inconfundível indumentária, que inclui bombacha, botas, lenço no pescoço e chapéu. “Desde então ele veio crescendo, mais pessoas começaram a participar e hoje defendemos nossa cultura com unhas e dentes”, diz Cristiano Guilherme de Souza, patrão do CTG, que corresponde ao presidente de uma entidade.
Atualmente, fazem parte do 20 de Setembro cerca de 150 sócios, que mantêm um calendário contínuo de atividades, que inclui bailes, almoços com costela de chão e tertúlias, reuniões nas quais os participantes contam causos, recitam poesias, tocam e ouvem música típica. Tudo sempre acompanhado por uma cuia de chimarrão. E engana-se quem pensa que, para participar, é necessário ter nascido no Rio Grande do Sul. “Não precisa ser gaúcho para gostar da tradição”, ressalta Cristiano, catarinense que ingressou no centro há 20 anos e transmitiu a paixão ao filho (atual vice-patrão) e aos netos.
Silvana Parcianello é outro exemplo de gaúcha por opção. Nascida no Paraná, passou a nutrir admiração pelo tradicionalismo quando começou a frequentar os bailes organizados pelo CTG. “Eu nem conheço o Rio Grande do Sul, mas, desde a primeira vez que vi as pessoas dançando, achei lindo”, conta a prenda, termo usado para designar a mulher gaúcha. Para alcançar esse status, porém, é preciso passar por um apurado processo de seleção, que inclui prova teórica sobre a história e a cultura gaúcha, demonstrações de dança, canto, declamação, culinária e artesanato. Aos homens, ou peões, as exigências incluem preparar o lenço e provas campeiras, como encilhar o cavalo.
Dos fundadores do CTG, já não há mais nenhum participante, nem mesmo descendentes seus. O que não significa que os mais jovens tenham se desinteressado pelas tradições. Ao todo, 36 crianças e adolescentes participam das aulas de dança típica e disputam concursos realizados nos rodeios. Com apenas sete anos, Maria Luiza de Souza é um dos destaques. “Gosto de dançar e de declamar”, diz com uma timidez que contrasta com a desenvoltura nos ensaios.
História
2,5 mil centros estão espalhados pelo país
O primeiro Centro de Tradições Gaúchas (CTG) do Brasil foi fundado no ano de 1947 em Porto Alegre. No Paraná, após a criação do 20 de Setembro, as iniciativas se propagaram por todo o estado, chegando hoje a cerca de 150 centros distribuídos por vários municípios. Em todo o Brasil, calcula-se que haja em torno de 2,5 mil CTGs, além de alguns fora do país, nos Estados Unidos, Portugal, Japão, Paraguai e China.
O primeiro CTG do país foi idealizado por um grupo de oito jovens do Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, que formaram um Departamento de Tradições Gaúchas. A ideia era se contrapor à influência da cultura norte-americana, valorizando as tradições locais. O grupo foi intitulado 35 Centro de Tradições Gaúchas, em alusão ao ano de início da Revolução Farroupilha, 1835.
O CTG é representado pelo galpão crioulo, onde se reúnem os peões e que serve também de sede de grandes eventos. Sua proposta é lembrar as grandes salas das estâncias, onde aconteciam as festividades da elite gaúcha. (AG)
Gazeta do Povo
Foto: Hugo Harada